CINCO MESES MUDARAM PORTUGAL
(extractos)



CADERNOS PORTUGÁLIA - Essa seria a justificação para que nas primeiras negociações os negociadores políticos fossem sempre acompanhados por negociadores militares. No seu caso, por exemplo, quando foi a Lusaka...
 

OTELO SARAIVA DE CARVALHO - Exactamente. Comigo no entanto, o general Spínola ficou bastante desiludido. Em Lusaka, eu vi desde logo que a única solução era a que se veio a efectivar - não havia outra possível. O Dr. Mário Soares, muito cauteloso e com elevado espírito diplomático, durante as negociações não se comprometeu de modo nenhum, falou sempre com firmeza mas com «sentido político». Eu expus as minhas ideias numa linguagem aberta sem rodeios. Senti, claro, que diplomaticamente estava, como costuma dizer-se, a «espalhar-me», mas como não era capaz de falar doutra maneira, a partir de certa altura calei-me. O resultado foi que Samora Machel e os homens da Frelimo ficaram um bocado desconfiados com o Dr. Mário Soares e a mim adoraram-me... Quando chegámos a Lisboa, o Dr. Mário Soares pediu-me que fosse com ele a Belém dar contas ao general Spínola do que se passara. 

Mário Soares expôs o mais cautelosamente possível o problema ao general e, depois passou-me a palavra. Eu disse claramente quais as condições da descolonização e referi a posição da Frelimo que me parecia ser a única correcta e possível.

O general Spínola «atirou-se ao ar». «Tem de haver outras soluções, não é nada disso», gritava o general, «não quero ouvir mais nada; voçê, o melhor que tem a fazer é calar-se». Limitei-me a reforçar as minhas afirmações, insistindo em que a realidade levava-nos a ter de aceitar outro tipo de descolonização que não o previsto pelo general, até porque as nossas tropas (e isso eu sabia-o bem) não estavam dispostas a continuar na mesma situação - atingira-se um tal ponto de saturação que o 25 de Abril surgia como o fim de um pesadelo.

De facto, se queríamos sair de Moçambique de cabeça levantada, tínhamos de ser nós a tomar a iniciativa. Caso contrário corríamos o risco de ter de lá sair com uma derrota vergonhosa às costas. De resto, só concordando com a Frelimo tínhamos hipóteses de evitar que se cavasse um fosso total entre nós e o futuro Moçambique. «Não senhor, não pode ser assim - dizia o general Spínola - porque se for preciso, eu, ao meu nível, falo com Nixon e ele manda tropas americanas para lá» Chamei-lhe a atenção para o risco de uma vietnamização do conflito em Moçambique que, com certeza, nem ao próprio Nixon interessaria. «Mas se não for o Nixon, a África do Sul dá-nos tropas!» - continuava o general Spínola que procurava o máximo de argumentos para evitar a solução preconizada, ou seja, uma solução política (pela qual de resto o Exército português lutava há dez anos) que teria de se encontrar através de um partido que fosse o mais representativo do povo Moçambicano e esse partido era a Frelimo que, embora não represente todo o povo era, sem dúvida, aquele que havia lutado pela independência da sua terra, que sofrera na carne todos os horrores de uma guerra de dez anos. O nosso interlocutor válido era a Frelimo, não só pela sua grande representatividade como também pelo facto de ter sido o partido que lutou demoradamente pela independência, e uma vez que ela estava disposta a assumir a responsabilidade de encetar a árdua caminhada para a construção do seu novo país, era a ela e com ela que teríamos de chegar a acordo.