1. Em 08 / 02 / 95 publicou o Correio da Manhã a minha Carta
Aberta, ao Eng.º António Guterres Secretário-Geral do
Partido Socialista, na qual focava, por forma inequívoca, que as
Grandes Reformas de Fundo (nas quais a descolonização era
uma delas), não poderiam ter sido realizadas por serem frontalmente
contra o Programa do MFA Movimento das Forças Armadas Portuguesas
consagrado pela Lei Constitucional nº 3 / 74 de 14 / 05 / 74 nem também
pelo Decreto-Lei nº 203 / 74 de 15 / 05 / 74, aprovado pela Junta
de Salvação Nacional e mandado publicar pelo seu Presidente,
o então General António de Spínola, autor do livro
Portugal e o Futuro. Todos nós sabemos que as Grandes Reformas de
Fundo só poderiam ser executadas no âmbito da nova Assembleia
Geral Constituinte, e esta só foi eleita em 25 / 04 / 76 exactamente
na mesma data em que entrou em vigor a nova Constituição
da República Portuguesa.
Razão tinha e, continua a ter hoje, o Prof. Dr. Adelino da Palma
Carlos (Primeiro-Ministro do I Governo Provisório) quando disse:
Não quero morrer como traidor à Pátria, frisando bem
o seu desacordo quanto à entrega das colónias, sem ouvir
os Povos. Relativamente à descolonização, a Nação
(os Povos irmãos do Continente e da África) não foi
sequer ouvida, como bem claro estava expresso no Programa do MFA.
Em vez disso, que se impunha, foi cozinhada,
a Lei n.º 7 / 74 de 22 / 07 / 74, aprovada pelo Conselho de Estado
e mandada publicar pelo Presidente da República, o General António
de Spínola.
Tanto quanto se julga saber o Conselho de Estado era constituído
por:
- Sete membros da Junta de Salvação
Nacional: Gen. António de Spínola; Gen. Francisco Costa Gomes;
Gen. Jaime Silvério Marques; Gen. Manuel Diogo Neto; Gen. Carlos
Galvão de Melo; Alm. José Pinheiro de Azevedo e Alm. António
Rosa Coutinho; Sete membros nomeados pelo MFA: Gen. Vasco Gonçalves;
Ten-Cor. Ernesto Melo Antunes; Ten. Cor. Victor Alves; Cap. José
Costa Martins; Cap-Ten. Victor Crespo; Cap-Ten. Carlos Almada Contreiras
e Cap-Ten. Judas; Sete membros nomeados pelo Presidente da República:
Cor. João de Almeida Bruno; Cor. Ricardo Ferreira Durão;
Dr. José Azeredo Perdigão; Prof. Dr. Rui Luís Gomes;
Prof. Dr.ª Isabel Magalhães Colaço, Dr. Henrique de
Barros e Prof. Dr. Diogo Freitas do Amaral.
Interessa saber se eram exactamente estas personalidades que integram o
Conselho de Estado e, também, quais as posições que
assumiram quanto à Lei n.º 7/74.
Foi, portanto, a partir desta Lei e, contra tudo o que se esperava, que
se deu início à chamada Descolonização, cinicamente
chamada de exemplar, ou melhor, o exemplo vivo de como nunca se deve fazer
uma Descolonização.
2. A sondagem elaborada pela Universidade Católica para a
Rádio Renascença, TVI e jornal Público é bem
clara e não deixa dúvidas a ninguém que 82,5% dos
inquiridos são contra o processo de descolonização,
tal e qual como ele se processou. Foi tudo mal.
Saliente-se, no entanto, que 65,5% entendiam que Portugal deveria dar independência
às colónias. Mais, 54,8% entendem que os retornados (os espoliados
dos seus bens e os expulsos dos seus territórios de origem ou de
adopção) deveriam ser indemnizados dos prejuízos ignominiosamente
sofridos, independentemente da sua vontade.
31,9% culpam os negociadores da descolonização (Dr. Mário
Soares; Dr. Almeida Santos e Ten-Com. Melo Antunes), tal e qual como o
MFA 6,2%, o Partido Comunista 3,7%, e outros 4,8% (julgam-se os Governos
Provisórios presididos pelo Gen. Vasco Gonçalves).
Interessante notar que 26,4% culpam o Antigo Regime de Salazar e Caetano.
A memória dos Povos é curta mas não tanto quando se
julga.
Quer dizer 46,6% culpam o novo regime (acólitos incluídos)
e 26,4% o antigo regime.
Não responderam 27,0% dos inquiridos.
É caso para perguntar: se estávamos em Liberdade, em Democracia,
porque não ouviram os Povos e fizeram a descolonização
bem feita?
Quanto à descolonização das ex-colónias, aparece
à frente Angola ( muito má e má 65,3%); logo a seguir
Moçambique com 62,9%, Guiné-Bissau com 51,5%; Cabo Verde
com 47,7% e São Tomé e Príncipe com 47,0%. O desgraçado
povo de Timor, que não foi descolonizado mas sim abandonado, aparece
com 65,5% e, portanto, acima de Angola.
Relativamente à integração dos retornados no continente
as percentagens de 12,8% mal e de 61,6% nem bem, nem mal, totalizando 74,4%
são significativas, o que se compreende perfeitamente pois tudo
perderam.
No concernente àquilo que Portugal perdeu, as percentagens são
altamente elevadas: em termos económicos 87,3%; em termos culturais
71,1%; em termos políticos 63,0% e, finalmente, em termos diplomáticos
58,6%. Sabendo-se o que se passa em Timor, em Angola, em Moçambique
(com as guerras que tiveram, as mortes, as doenças, a fome e as
destruições) e os grandes problemas que existem na Guiné-Bissau,
em Cabo Verde, em São Tomé e Príncipe e na própria
Metrópole (actualmente Março de 1995 com 429.927 desempregados),
além do resto, é, mais uma vez, caso para perguntar: Quem
finalmente ganhou com a descolonização nos moldes em que
a fizeram?.
Não podiam ter dado a independência em moldes correctos e
que todos (europeus, africanos e asiáticos) beneficiassem?.
Estou certo que sim.
Quanto às relações com as ex-colónias, os inquiridos
entendem que as mesmas são assim assim políticas 60,3%; culturais
53,1% e, económicas 50,7%.
É a ideia do país do faz de conta, do assim assim que continua
a pesar na mente dos inquiridos. Esta é a realidade.
Entendem, no entanto, que Portugal deve estreitar as relações
com Angola 46,7%; Brasil 30,5%; Moçambique 6,4%; Guiné-Bissau
1,7%; São Tomé e Príncipe 1,2% e Cabo Verde 0,9%.
No entanto, no caso de Angola 46,5% não têm nenhuma simpatia
pelos partidos políticos e em Moçambique 44,7% pensam da
mesma maneira.
Saliente-se que em Angola 20% e em Moçambique 16,2% simpatizam com
os partidos do MPLA e FRELIMO que estão nos respectivos governos.
Ao serem inquiridos sobre quem é que Portugal deve colocar em primeiro
lugar nas suas relações internacionais: 56% entendem a Europa
e 29,1% as ex-colónias. Mas quando lhes perguntam, se tivessem que
abandonar Portugal, para onde iriam, as respostas são claras: 35,3%
para a Europa; Estados Unidos e Canadá 17,8%; ex-colónias
(Angola 7,6% e Moçambique 2,9% -- ou seja apenas 10,5% dos inquiridos);
o que se compreende perfeitamente, pois, quem não aprende com a
lição, ou é burro, ou então não têm
razão.
3. A esmagadora maioria dos Portugueses, gosta e ama África
eu também bebi água de Bengo, mas depois de tudo o que os
descolonizadores fizeram, e os outros continuaram, para voltarmos a África
temos que esperar, ver, termos garantias e, sobretudo, termos paz e segurança.
Ninguém consegue fazer castelos no ar e construir quando a terra
está a tremer.
Temos que ter: estabilidade política e jurídica válidas.
Acho que estamos interessados em arrumar as casas, trabalhar, investir
e fazer progredir os países, mas é indispensável:
que quem manda são os povos; queiram e estejam interessados.
Sem isto, não há nada para ninguém.
Basta
de aventuras e de acções sem planos
4. Termino com palavras do Ministro dos Negócios Estrangeiros
Dr. Durão Barroso ao programa Cartas na Mesa, da Rádio Renascença
em 22 / 04 / 95:
a- Os portugueses pensam que a descolonização foi mal
feita e foi por causa
das circunstâncias.
Eu não
estou a querer culpar ninguém.
b- Eu penso que hoje em dia, como político que sou,
ocupando determinadas
funções acho que não
devo pronunciar-me sobre isso ... penso que não
é ainda a altura de me pronunciar sobre isso.
Digamos em termos gerais que foram as condições
objectivas, digamos que foi a situação
da Revolução, depois claro há varias hipóteses,
é dizer que a culpa foi do anterior regime, porque o anterior regime
não descolonizou a tempo, a culpa foi do novo regime porque não
teve força para impor a sua descolonização, bom a
culpa foi também dos próprios movimentos de libertação
na altura que não tiveram a sabedoria para permitir mais tempo para
uma transição mais controlada, a culpa foi das Nações
Unidas que nos pressionou imenso nessa altura, a culpa foi das forças
radicais aqui em Portugal que queriam acelerar o processo, a culpa foi
dos políticos....
Há muitas culpas se quiser.
c- Quero dizer-lhe apenas, sinceramente,
o seguinte: de facto a descoloni-
zação foi mal conduzida,
penso que isso resulta em larga medida das condições em que
Portugal estava internamente nessa altura. Portugal nessa altura não
tinha praticamente o Estado a funcionar.
5- Resumindo:
1- A descolonização foi mal feita e mal conduzida;
2- As culpas da descolonização podem ser atribuídas:
2.1- Ao anterior regime (Prof. Dr. Oliveira Salazar e Prof.
Dr. Marcelo Caetano) que, com poder, conhecimentos e tempo, não
prepararam os Povos para as independências (26,4%);
2.2- Aos descolonizadores do novo regime (Dr. Mário Soares
e Dr. Almeida Santos do Partido Socialista); (Tem-Cor. Melo Antunes do
Movimento das Forças Armadas)e às forças radicais
(Partido Comunista e outros que queriam acelerar o processo) (46,6%).
É bem verdade o provérbio: Quando o mar bate na rocha quem
se lixa é o mexilhão. Este aforismo popular aplica-se perfeitamente
ao caso da descolonização, pois quem se lixaram foram os
Povos (os mexilhões) quenem sequer foram ouvidos e o Poder
(a rocha) e a Política (o mar), continuam bem e, como sempre
tudo como dantes, quartel-general em Abrantes.
É caso para perguntar: Até Quando?.
P.S. Aproveito esta ocasião
para lançar à Universidade Católica um Desafio: Por
favor façam uma sondagem semelhante ao Processo de Nacionalizações
e Expropriações, iniciado em 15/03/95.
Por Silva Pereira in
"Correio da Manhã" 11/05/95 |