Os espoliados de Angola e Moçambique,
pelas vozes das suas Associações fazem saber aos seus governantes
que não estão dispostos a serem enteados, preparando-se para
mover um processo ao Estado Português, que poderá vir a ter
repercussões internacionais imprevisíveis. 0 Estado tem de
assumir como pessoa de bem, e não o será enquanto não
liquidar as indemnizações devidas por uma descolonização
feita de «olhos fechados», sem ter em conta, na prática,
a defesa de pessoas e bens que no Ultramar lutavam e dignificavam Portugal.
A Confederação Europeia
dos Espoliados do Ultramar (CESOM) apoia a decisão.
II Congresso dos Espoliados do Ultramar
Não há vontade política
ADULCINO SILVA
Não foram os políticos
que fizeram Angola e Moçambique. Foram todos vós, que estais
aqui, mais os que não lhes foi possível estar presentes,
que fizésteis aqueles países - disso o Prof. Dr. Adriano
Moreira no encerramento do 2º Congresso dos Espoliados do Ultramar,
que decorreu em Lisboa. «Os retornados, espoliados do Ultramar, são
um valor, um bom exemplo de dignidade, do trabalho honrado o do patriotismo,
constituindo um testemunho de uma situação calamitosa»
- acrescentou o político e prof. Universitário Adriano Moreira
que concluiu a sua intervenção, afirmando: «É
necessário fazer-se o julgamento do processo político português»,
incitando os espoliados da «descolonização exemplar»
a prosseguirem na sua justa luta reivindicando até que o Estado
cumpra o seu dever.
As 12 comunicações
apresentadas focaram aspectos relevantes das reivindicações
dos nossos compatriotas esbulhados pelos descolonizadores, responsáveis
por um acto ignóbil sem precedentes na História de Portugal,
e elas, bem como as conclusões, vão ser editadas em livro.
Ficou perspectivado um processo
judicial contra o Estado português para a obtenção
das indemnizações, danos sofridos com a descolonização,
patrocinada pelas Associações dos Espoliados de Angola e
Moçambique, que se lamentam da falta de resposta aos ofícios
enviados ao Governo, incluindo o Primeiro-Ministro, que se escudam no silêncio,
denotando menos lisura neste processo. «0 Governo não se dá
sequer ao incómodo de os receber, não obstante as diversas
solicitações que nesse sentido têm sido feitas pela
AEMO e AEAMG, nem tão pouco responder aos nossos telegramas, cartas
ou desafios lançados na imprensa» - referiu, com exaltação,
a Dra. Leonor Correia de Matos na sua intervenção. Por seu
turno, o jornalista António Pires afirmou: «Ao coro imenso
dos portugueses espoliados do Ultramar, abafado ao longo destes 15 anos
pelas conveniências das camarilhas políticas, ou pelas ameaças
dos Copcons e dos grupos bombistas a soldo de certos partidos, tem vindo
a juntar-se os clamores dos milhões de angolanos, moçambicanos
e outros povos das ex-províncias ultramarinas de Portugal, sem esquecer
os bravos timorenses que ainda hoje continuam a lutar, na clandestinidade
mas de armas nas mãos, contra a traiçoeira entrega que deles
quis fazer o governo sediado em Lisboa, à odiosa opressão
da Indonésia». Definindo a descolonização como
«dolorosa realidade é que esse simples e cobarde abandono,
por Portugal, das suas províncias ultramarinas e respectivas populações,
longe de ter sido exemplar, na realidade foi criminoso à luz dos
mais elementares princípios jurídicos internacionais»,
António Pires acusou o Estado, nas pessoas dos governantes de então,
de «voluntária demissão das suas responsabilidades,
apesar de dispor dos necessários meios e recursos».
0 Prof. José Martins Lopes abordou,
com inteligência e com precisão, a situação
dos funcionários portugueses em Angola após a independência,
sua contagem de tempo para a aposentação, considerando os
graves prejuízos criados por uma situação injusta,
que o Governo tem de rever. Por seu turno, Angelo Soares, que teve duas
intervenções, focou o escandaloso caso dos depósitos
de dinheiro nos Consulados da Beira e Maputo, e apresentou um trabalho
de afirmações contraditórios de alguns políticos
sobre o abandono do Ultramar, comentando com alguma ironia essas afirmações,
que não podem ser esquecidas, ainda que possam ser perdoadas.
Sempre que os nomes de Mário Soares,
Almeida Santos ou Rosa Coutinho e Costa Gomes eram proferidos, a assistência
irrompia em assobiadelas e protestos. Fonte de apupos foram Melo Antunes
e Otelo Saraiva de Carvalho.
CREDORES DO ESTADO HA 16 ANOS
Cora Pena, num brilhante improviso, afirmou:
«Fornos vítimas de um vergonhoso abandono conluio com a internacional
comunista e a internacional socialista». A presidente da AEANG adiantou:
«Há 16 anos credores do Estado português que não
sabe honrar os seus compromissos», tendo salientado «a descolonização
levou ao exílio os melhores filhos de Angola e Moçambique,
e arrastou as populações nativas para a guerra, fome e tortura».
A terminar a Core Pena, que foi aplaudida de pé, demoradamente,
alertou para as eleições presidenciais e legislativas que
se aproximam: «0 voto é a arma que os políticos mais
temem e mais desejam. Vamos saber utilizar esses votos (cerca de 870 mil)».
A presidente da AEANG salientou ainda: «Os Direitos do Homem e um
sentimento debochado por parte da maioria dos políticos portugueses,
e a descolonização foi uma traição ao Povo
português».
Usou da palavra o presidente da Confederação
Europeia dos Espoliados do Ultramar (CESOM), sediada em Paris, que se insurgiu
contra a recusa do Conselho da Europa de aceitar a filiação
daquela organização. Julien-Noel Lenaspre criticou o facto
das «nações europeias, incluindo Portugal, com territórios
em
África, ter «esbanjado dinheiro com apoios ao Terceiro Mundo
e não terem indemnizado os espoliados». 0 presidente da CESON
acusou: «A ajuda da Europa ao Terceiro Mundo tem servido para alimentar
a fraude e a corrupção dos dirigentes políticos africanos».
Para além das indemnizações
foram debatidos os temas das pensões e reformas para os retornados
a Portugal Continental com a descolonização, bem como a estranheza
pelo não aproveitamento pela experiência dos largos milhares
de «retornados» de África no actual relacionamento com
os Palop's.
Para além de Adriano Moreira, que
presidiu ao Congresso, estiveram presentes os generais Silvino Silvério
Marques, Kaulza de Arriaga, Altino de Magalhães e o Prof. Marcelo
Rebelo de Sousa. A sessão foi aberta pelo presidente da AEMO, dr.
Costa Borges, que revelou estar a ser estudada por juristas a forma de
intentar uma acção judicial, que possa ir até às
instâncias internacionais, contra o Estado português pela falta
grave e pelo sistemático silêncio à volta das justas
petições dos ofendidos e vítimas da descolonização.
NOTA FINAL
A imagem que os espoliados do Ultramar
português têm dos governantes, e de uma maneira geral da classe
política, não é abonatória, nem cristalina.
Os espoliados do Ultramar não acreditam nas promessas eleitoralistas
dos políticos, tendo em conta o esquecimento a que foram votados,
após a morte do Dr. Francisco Sá Carneiro, que se mostrou
defensor dos espoliados. Compreende-se, pois, a excitação
que domina os largos milhares de compatriotas vindos da além-mar,
humilhados, traídos e ofendidos por um grupo de párias, para
quem a Pátria é apenas e tão-só o lugar onde
dormem.
(In Jornal "O DIA" – 09/12/1990) |