AINDA OS ESPOLIADOS DE ÁFRICA


 
As delegações das Associações dos Espoliados de Moçambique (AEMO) e de Angola (AEANG), sempre atentas aos problemas dos portugueses e portuguesas que regressaram de África, solicitaram há pouco uma audiência ao Primeiro-Ministro.

Nesta reunião deram-lhe conhecimento  dos inúmeros problemas que, apesar de passadas  mais de duas décadas, continuam a atormentar os brancos e negros que, pela força das circunstâncias, tiveram de voltar à mãe-Pátria de mãos a abanar, como é do conhecimento geral, para salvarem as suas vidas.

E, naturalmente, a conversa debateu-se sobre a petição que está “ enterrada “ na Assembleia da República há já alguns anos, a solicitar a revogação do art.º 40º da Lei 80/77.

Com efeito, mau grado os esforços levados a cabo por aquelas duas Associações nunca será demais afirmá-lo - os sucessivos Governos, que até hoje se instalaram no poder desde o 25 de Abril, estiveram-se nas “tintas”, falando bem e depressa, para que os espoliados / retornados  pudessem reaver ou não os bens ali deixados, aliás produto de muitos anos de trabalho, canseiras e sacrifícios  de toda a ordem.

Quer dizer, o artigo 40º viola o art.º 62º da Constituição da República Portuguesa onde se pode ler  que a expropriação de bens só pode ser feita mediante pagamento de justa indemnização o que, infelizmente, não foi o caso que se passou.

Todavia, se bem que haja uma semelhança entre os cidadãos portugueses  vítimas das nacionalizações no Ultramar e aqui em Portugal, constata-se que a chamada Lei das Indemnizações (Lei 80º de 26/10/1997) não os trata por igual, em virtude do disposto no art.º 40º, na medida em que não contempla o direito dos portugueses espoliados de África à justa indemnização que lhes é devida.

Deste modo verifica-se, não só a  inconstitucionalidade  como a iniquidade do art.º 40º, uma vez que já foram indemnizados ao abrigo da lei 80/77, acima referida, os accionistas das Empresas com alicerces em Portugal e nacionalizadas pelos bens que tinham do Ultramar Português.

E, como é óbvio,não estamos contra esta tomada de posição mas, isso sim, com o invés do que sucede com os portugueses e portuguesas espoliados de África porquanto, esta situação de não consideração das suas justas indemnizações, contraria a orientação unívoca do nosso ordenamento jurídico, para além do que se processou no que se  refere às indemnizações, com as demais nações da Europa que sofreram o mesmo revés como, por exemplo a Inglaterra  a França, a Bélgica e a Itália.

Neste contexto , o Estado descolonizador, ou seja, o Português  tem a obrigação de indemnizar os espoliados de África, uma vez que a mudança do Poder político, de que foi um dos intervenientes, foi a causa dos danos materiais verificados.

Isto porque os retornados/espoliados são e serão sempre portugueses, quer queiram, quer não, os políticos, vivendo sob a mesma bandeira e ao som do mesmo hino, motivo por que será de  toda  a  justiça as indemnizações   pelos bens e direitos de que foram espoliados em África onde muitos nasceram e labutaram em prol duma terra, então portuguesa, que deixou de o ser, para desgraça de todos, com o 25 de Abril, etc., etc. No entanto, parece-nos oportuno realçar, para aqueles que na altura eram crianças e hoje são já homens responsáveis, que nós não perdemos o Ultramar porque este teve a sua independência, mas não o deveríamos ter abandonado como fizemos, deixando milhares de portugueses e portuguesas entregues à « bicharada » que mataram muitos com os maiores requintes de selvajaria e barbaridade, o que jamais poderemos esquecer – refiro-me aos retornados/espoliados. E, mercê desta situação, aqueles países ainda estão mergulhados num banho de sangue e lágrimas e tudo devido ao facto das suas independências se ter feito sobre o joelho e de ânimo leve para mal dos nossos pecados, como é do conhecimento geral. Enfim, para esquecer mas, como é natural, para os retornados/espoliados jamais será possível, depois de tanta desgraça porque a grande maioria passou, por terem perdido todos os seus bens e muitos continuaram ainda, passados tantos anos, a vegetarem neste País que é Portugal.

Por isso o Governo actual, já que os anteriores nada fizeram neste sentido, deverá proceder à revogação do art.º 40º da Lei 80/77, por oportuno, que afronta os ex-residentes ultramarinos  contra o que será justo e de direito para que as indemnizações se processem, sem perda de tempo. Basta de tanto sofrer!   
 

Por: Mário Silveira da Costa
(In Jornal Correio da Manhã – 08/05/1996)