“O País que colonizou deve assumir algumas
consequências do seu passado”

Neste título reproduzimos com rigor as palavras da deputada comunista, Dr.ª Odete Santos, quando da sua intervenção na Assembleia da República, no dia 28/01/1993, durante a sessão em que foi apreciada a petição N.º 41/VI subscrita por um espoliado de Moçambique, redigida e apoiada pela AEMO, exigindo a devolução dos depósitos efectuados nos consulados da Beira e Maputo, o que finalmente foi conseguido em Dezembro de 1994.

Posição mais radical foi defendida em entrevista que demos ao jornal “Correio da Manhã” e publicada em 17/10/1994 ( internet:http://www.espoliadosultramar.com/ip31.html) na qual apontámos algumas das diferentes situações de colonialismo, puro e duro, verificadas em Moçambique:

    a) Pauta de importação largamente beneficiária da indústria portuguesa;
    b) Marinha mercante parasitária devido ao proteccionismo de que beneficiava;
    c) Algodão obrigatoriamente exportado para Portugal a preços abaixo do mercado internacional;
    d) Açúcar exportado em bruto para ser refinado em Portugal;
    e) Dificuldades criadas na saída de divisas o que forçou ao investimento em Moçambique das economias que nos deveriam assegurar a velhice, uma vez que não existiam sistemas de segurança social para as actividades privadas;
    f) f) Convenção de 11/09/1928, entre o Governo da Republica Portuguesa e o Governo da União Sul-Africana, para o fornecimento de trabalhadores às minas do Rand, revisto em 17/11/34 e prorrogado pelas notas trocadas entre os dois Governos em 21/04/39. E que em 07/05/1940 um novo Acordo estabeleceu a possibilidade de “em qualquer momento depois de três meses a contar da data em que o presente Acordo entrar em vigor o Governo Português julgar, por motivos de natureza prática ou por conveniência, ser preferível receber o pagamento diferido ou parte dele em ouro, o Governo da União, assegurará a obtenção do ouo para aquele fim a um preço baseado na taxa publica de câmbio”.

É sobre esse ouro que desde 1941 foi desviado para os cofres do Banco de Portugal em beneficio da economia portuguesa e com prejuízo dos que viviam em Moçambique, que pretendemos melhor esclarecer os leitores. Na verdade, se o ouro tivesse sido vendido no mercado livre pelo preço então corrente, o Conselho de Câmbios de triste memória (temos bem presente na que a transferência para Portugal de uma humilde mensalidade para ajuda de familiares necessitados, não só era difícil de conseguir, como demorava meses a ser recebida no destino) possuiria fartura de divisas e uma boa parte das nossas economias teria concerteza conseguido melhor destino do que os prédios locais de que fomos espoliados.

Para que os leitores possam fazer contas, passamos a transcrever parte das declarações feitas à imprensa pelo Dr. Almeida Santos, quando ministro da Coordenação Interterritorial, reproduzidas no jornal “Notícias”, de Lourenço Marques, em 06/09/1974, com o subtítulo “Situação económica de Moçambique”:

“Posso também anunciar que, de certo modo, foi resolvido favoravelmente o problema do ouro. Estava lá uma partida de ouro que tinha de ser paga a Portugal antes de 25 de Abril. Conseguiu-se que o Banco de Portugal abrisse mão desse ouro, desde que lhe fosse pago aquilo que despendeu com ele. Esse ouro vai ser vendido ao câmbio livre e por isso Moçambique vai receber três vezes o valor oficial que o Banco de Portugal pagou por ele. Moçambique receberá, portanto, à volta de duzentos mil contos de divisas. E como já há uma nova partida, essa não comprada pelo Banco de Portugal, vai ter em breve em circulação mais quatrocentos mil contos de divisas. Não é ainda nada que se pareça com o que Moçambique precisa, mas é alguma coisa para assegurar o mínimo necessário para manter a normalidade económico-financeira.”

A cotação do ouro no mercado internacional, desde 1974, aumentou muitas vezes (e o custo do imobiliário ainda mais) pelo que, em valores actuais, os seiscentos mil contos representariam hoje uma bonita verba de cerca de dezoito milhões de contos, arrecadados não uma, mas várias vezes, no decorrer do mesmo ano.
Não podemos calcular quais os benefícios totais do Banco de Portugal durante tal período. E, menos ainda, de 1941 até 1974. Confiamos que alguém um dia venha a publicar estes números. Então ficaremos a conhecer em quanto contribuíram para a “pesada herança” acumulada pelo Salazarismo. 

Face ao que deixamos exposto os espoliados de Moçambique precisam tomar consciência de como esta e tantas outras formas de colonização afectaram os seus legítimos interesses como trabalhadores numa Província Ultramarina do Portugal do Minho a Timor, como constava da Constituição da República que nessa época respeitávamos, como respeitamos a que está em vigor actualmente.

E a Dr.ª Odete Santos, cuja inteligência, frontalidade e sentido de justiça apreciamos, se convenientemente esclarecida sobre tão complexo problema, substituirá de futuro a expressão “algumas consequências” por “total responsabilidade do Estado Português”, como os espoliados sempre reivindicaram e consideram de plena justiça.

Ângelo Soares
28.05.03