EM  " LEGITIMA  DEFESA "  DOS  ESPOLIADO  DO  ULTRAMAR

O programa de 3 de Junho da TVI, "Em legitima defesa", foi uma pequena amostra de como argumentos tendenciosos, usados através dos meios de comunicação (mesmo teatralmente falando...) podem confundir uma qualquer questão, em vez de contribuírem pare a resolver.

Tratava-se de averiguar se o Estado português deveria, ou não, pagar indemnizações a um espoliado que se apresentou como queixoso, e, logicamente, aos restantes espoliados que residiam no Ultramar, ou seja, nos termos da Constituição, nas então chamadas Províncias Ultramarinas.

O Dr. Miguel de Sousa Tavares intervindo como “advogado de defesa”, desempenhou, razoavelmente bem, o papel de “advogado do diabo”. O argumento de que os portugueses, residentes no Ultramar, deviam ter aprendido com os exemplos descolonizadores de outros países, e acautelado (!!!) os seus bens, não teria lembrado nem ao próprio diabo. Como actor, estava recitando um texto próprio, não podendo esquecer que tirou um curso de Direito. Recomendo-lhe a leitura do  Decreto-Lei 181/74, extensivo ao Ultramar, o qual, em pleno abrilismo, metia na cadeia, com pena máxima, quem tentasse tirar do país quaisquer valores. E não me venha citar Otelo, quando este diz que nesse período “a asneira era livre”!

Os verdadeiros colonialistas, esses sim, sempre fizeram isso. Não aqueles que pensavam e agiam como estando na sua terra, pois a tanto foram convencidos pelos diferentes governos centrais, bem apoiados nas próprias Forças Armadas (lembro as conclusões do 1° Congresso dos Combatentes do Ultramar, realizado de 1 a 3 de Junho de 1973, no Palácio de Cristal do Porto: Todo o combatente deve continuar vigilante, activo e dinâmico, na Metrópole e no Ultramar, ou em qualquer parte do mundo, combatendo todo e qualquer inimigo de Portugal pluricontinental e multirracial, uno e indivisível; Portugal só pode realizar-se integralmente num território pluricontinental; continuar a defender Portugal por todos os meios e pelo tempo que for necessário, etc., etc.)
Conhecido o pensamento destes quatro mil congressistas, ficou fácil compreender o "testemunho" do tenente-coronel António Calvinho, que gostou tanto da guerra (ou dos seus proveitos...) que se ofereceu para uma segunda comissão. Se não tivesse sido ferido (em combate ou em desastre automóvel?) provavelmente teria feito mais comissões voluntárias, como aconteceu com tantos oficiais.
Afirmou o “advogado do diabo” que os processos de reclamação dos bens subiriam aos duzentos mil (mais ou menos um milhão de espoliados a dividir por quatro, como se todos os desalojados tivessem deixado bens...). Acontece que os processos arquivados (melhor, encaixotados) até agora, mais de vinte anos decorridos, rondam os 50 mil. E acrescentou que atingiram um valor incomportável pelo orçamento do pais.

Contesta-se este raciocínio primário, porquanto os espoliados sabem e compreendem que não poderão ser pagos “à boca do cofre”. Certamente aceitarão discutir o prazo de alguns anos, como já aconteceu com os nacionalizados - espoliados metropolitanos. 

Não foi referido no programa, mas é importante saber-se, que quando forem indemnizados entregarão  --  pela forma legal como for estudado e adequado  -- -os seus títulos de propriedade, certidões de registo, escrituras, etc., à entidade que necessariamente será criada para gerir o processo. E o Estado ficará habilitado a ressarcir-se dos valores que ao longo dos anos irá despendendo com as indemnizações. Para tanto, poderá usar a forma de cobrança que entender melhor:   negociação com os novos Estados (Palop); recurso às instituições internacionais adequadas; dedução na verba de 60 milhões de contos que anualmente está despendendo com a cooperação; recurso aos fundos da CEE, da qual, por ter aderido à democracia e descolonizado, recebeu, no período de 1986 a 1997, o montante liquido de contribuições de 3 270 milhões de contos.

Será uma questão de vontade politica. Como em tantas outras situações, quem quer pode.. Tais bens serão um acrescento ao nosso Património Nacional e virá a depender dos próximos Governos a sua preservação ou valorização negocial. 

Uma ultima referência para o argumento patético, inspirado na tragédia grega, idealizado pelo Dr. Miguel pare encerrar a sua “acusação”:   as indemnizações dividiriam os portugueses. A resposta foi-lhe dada via telefone, por forma super-convincente: 87 por cento de votos sim e 13 por cento de votos não, o que nada nos surpreendeu pois já há tempo uma sondagem, elaborada pela Universidade Católica, pela Rádio Renascença, TVI e jornal Público, foi bem clara, pois 82,5 por cento dos inquiridos foi de opinião contrária à forma como se recaminhou o processo de descolonização.

Aproximam-se novas eleições legislativas e acredito sinceramente em que, já convenientemente amadurecidas as ideias, aparecerá um partido político a defender esta causa dos espoliados... e a ganhar um milhão de votos.
 

A. Carvalho 
 

(In Correio dos Leitores “Correio da Manhã” em 10.06.99)